Ozzy: a música como uma fuga

por Caio Ramos

Ozzy Osbourne no show de despedida. Crédito: @ozzyosbourne/Instagram

O ano era 1995. Eu, prestes a completar 18 anos, encarava meu primeiro festival de metal, o Monsters of Rock, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo. Uma época em que se pagava apenas algumas dúzias de Reais para curtir 12 horas de música (R$ 35 para pista, R$ 20 para arquibancada, R$ 30 para cadeira descoberta e R$50 para cadeira coberta). Não havia excentricidades comuns aos dias de hoje, como pista VIP e copos (caros) de plástico do show. Ficar na grade era simples: bastava apenas chegar antes da abertura dos portões, correr até o palco e se preparar para ficar horas de pé. Consegui fazer isso apenas uma vez, em um show do Sonic Youth, mas esta é outra história.

Voltemos àquele sábado de setembro de 1995. Eu, minha irmã e amigos saímos de Osasco de manhãzinha e demoramos cerca de duas horas para chegar ao estádio. Meu pai foi nos pegar após o show, a uns bons 5 km do Pacaembu, lá por volta da 1h da manhã. Voltamos 6 pessoas (ou mais) dentro de um Gol frigideira. Eu estava cansado e com um sorriso no rosto: finalmente tinha visto um show do Ozzy Osbourne.

É muito provável que quando fundou The Polka Tulk Blues Band, juntamente com o ex-colega de escola Tommy Iommi, o baterista Bill Ward e o baixista Geezer Butler (inicialmente, na guitarra), no fim dos anos 60, John Michael Osbourne não imaginasse que um dia, impactaria tão fortemente a vida de jovens que viviam na periferia de uma cidade na América do Sul (e muito menos a do meu pai e seu Gol frigideira naquela madrugada de 1995). Quem leu a biografia “Eu sou Ozzy” entendeu que a música, para Ozzy, era encarada como uma fuga – e que fuga espetacular para tantos ao redor do mundo ela seria!

Nascido em uma família da “working class” da cidade industrial de Birmingham (Inglaterra), as perspectivas para Ozzy não eram nada boas. Na infância, sua família morava em uma casa minúscula, em que todos dormiam em um mesmo cômodo, e tudo indicava que sua vida seguiria o mesmo padrão. Ozzy tinha dislexia, sofreu abuso sexual aos 11 anos e tentou se matar algumas vezes. Com 15 anos, teve empregos como pedreiro e açougueiro. Aos dezessete, foi preso por roubo. Fã dos Beatles – e de Paul McCartney, especialmente – afirmou várias vezes que “She Loves You” foi sua inspiração para se tornar músico.

O grupo The Polka Tulk Blues Band rapidamente mudaria de nome para Polka Tulk e, mais tarde, para Earth. No repertório, blues e rock com influências das bandas Cream, Blue Cheer e Vanilla Fudge. O nome Earth também não duraria muito, uma vez que havia uma banda homônima. A sacada do novo nome, que mudaria o cenário musical mundial e a vida de milhões de pessoas ao redor do planeta, veio de Butler. Fã de terror, ele havia visto o filme de terror italiano do diretor Mario Bava, “I Tre Volti Della Paura” (As Três Máscaras do Terror) de 1963, mas exibido com o nome de “Black Sabbath” na Inglaterra e Estados Unidos. Foi esta a influência principal para a nova orientação da banda e para que ele escrevesse a canção “Black Sabbath”.

O início dos anos 70 viu o lançamento dos quatro melhores discos do Black Sabbath (pelo menos aqueles com Ozzy nos vocais), até o “Vol.4”, cujo nome original seria “Snowblind”, uma clara alusão ao consumo de uma certa substância. O excesso hedonista desse período, junto a algumas brigas por ego, levaram Ozzy a deixar a banda em 1978. Ele fundaria dois anos depois o álbum Blizzard of Ozz, juntamente com o guitarrista Randy Rhoads, o baixista Bob Daisley e o baterista Lee Kerslake. Foi nesta época que Ozzy entrou definitivamente para a cultura popular, pelo bizarro incidente do morcego no palco. O cantor sempre afirmou que achava que se tratava de um bicho de pelúcia jogado por um fã. Até hoje, essa cena é parodiada em filmes e desenhos animados. Outro fato da época, mas muito mais trágico, foi a morte de Rhoads, em um acidente de avião. 

Os anos 80 também foram marcados pelos excessos relacionados às drogas ilícitas e ao álcool. Ozzy, muito acima do peso, estava irreconhecível. Mas no final da década, começaria a reviravolta. Ozzy começou a lutar contra o alcoolismo e a trabalhar seu corpo, emagrecendo e voltando a lançar discos que foram sucessos de crítica: “No More Tears” e “Ozzmosis”. Paralelamente, a marca Ozzy Osbourne se fortalecia cada vez mais. Sharon, esposa e empresária do cantor, criava empreendimentos, como o festival de heavy metal “Ozzfest” e o infame e engraçado programa de TV, “The Osbournes”, um reality show que mostrava os bastidores da vida da família.

Na década de 2000, Ozzy continuou lançando álbuns aclamados pela crítica, como “Down to Earth” e “Undercover”. Em 2008, vi meu segundo show do cantor no Brasil, juntamente com Korn e Black Label Society. Três anos depois, o vocalista e o Sabbath voltaram a tocar juntos, o que os levou a uma turnê, que passou pelo Brasil em 2013, com shows de sold out (esgotados)em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro. A parceria continuou, e em 2016, Ozzy e a banda lançaram oficialmente o último trabalho dos quatro músicos juntos, o álbum “The End”, novamente acompanhado de uma turnê mundial.

Em 2017, Osbourne retomou sua carreira solo com um show em Birmingham, cidade onde tudo começou. E no final de 2024, ele e Butler anunciaram que o Black Sabbath faria seu derradeiro show em julho de 2025. Antes da apresentação da banda, tocaram bandas e músicos de vários estilos musicais dentro do rock, como Metallica, Guns n’ Roses, Phil Anselmo, Billy Corgan e Steven Tyler. O show do Sabbath propriamente dito foi curto, com cerca de 40 minutos de duração. Ozzy, com problemas de saúde, incluindo danos severos na coluna, cantou sentado, em um trono digno do príncipe das trevas. E pouco mais de duas semanas depois, viria sua morte. Em todo o mundo, milhões de pessoas lamentaram a morte do músico.

Nada mal para um garoto que queria apenas fugir da pobreza e do ostracismo.

*Caio Ramos é jornalista e colaborador do portal MorcegãoFM. Foi editor do canal de música na Revista Submarino, revista online do site de e-commerce, e cobriu shows para o UOL. Hoje trabalha com comunicação de empresas.

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